STJ enterra dois inquéritos contra Helder Barbalho
Barbalho consegue se livrar de caso dos respiradores chineses e o escândalo das OSS
Sem direito a vela acessa ou carpideiras em prantos à beira do caixão, a investigação da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o governador do Pará, Helder Barbalho, no caso dos 400 respiradores chineses comprados por R$ 53 milhões no auge da pandemia de covid -19, está morta e sepultada. Também foi para o túmulo a investigação sobre Helder no inquérito das Organizações Sociais (OSS) ligadas à área de saúde do governo estadual e responsáveis, segundo a apuração, por desvios de R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos.
O governador está livre desses dois inquéritos, que no entanto continuam contra as dezenas de envolvidos nos dois casos, que respondem a processos na Justiça Federal e Estadual, em Belém. As investigações contra Helder foram para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e lá arquivadas, porque o governador é detentor de foro por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado, em razão do cargo que exerce.
A decisão sobre os arquivamentos, até então mantidas em sigilo, é do plenário do próprio STJ por unanimidade que um jurista ouvido pelo Ver-o-Fato tachou de “absurda”. O relator dos casos foi o ministro Francisco Falcão, que acolheu pedido de arquivamento formulado pela Subprocuradoria-Geral da República.
A subprocuradora Lindôra Araujo, que começou o trabalho investigativo, acompanhando o inquérito da PF, afastou-se do cargo no final de agosto do ano passado para submeter-se a uma cirurgia de emergência nos Estados Unidos, onde tratou-se de um câncer no intestino.
No dia 27 de setembro, a então procuradora-geral da República, Elizeta Maria de Paiva Ramos, que substituiu Augusto Aras no cargo, designou a subprocuradora-geral da República, a amazonense Ana Borges Coêlho Santos, para a função de vice-procuradora-geral da República. Não se sabe se foi Ana Borges quem assinou o parecer com pedido de arquivamento ou se foi a própria Lindôra, antes da viagem para os Estados Unidos.
É estranho que a decisão de arquivamento dessa investigação tenha permanecido sob rigoroso sigilo desde o começo de outubro do ano passado e nenhum veículo da imprensa nacional tenha tido acesso a ela para divulgá-la. O Ver-o-Fato, porém, nunca desistiu de buscar informações sobre o andamento dos inquéritos, apesar de inúmeras dificuldades criadas, até mesmo pela própria PGR, que foi evasiva e não respondeu às solicitações feitas por este portal de notícias, que utilizou como fundamento para sua busca a Lei de Acesso à informação (LAI).
Agora, contudo, por meio de fonte acreditada em Brasília, trazemos à tona detalhes, com exclusividade, sobre os pedidos da PGR e seu acolhimento pelo STJ. A íntegra da manifestação da PGR e a decisão do STJ estão no final desta reportagem.
“Indícios insuficientes”
No caso das OSS e seus desvios bilionários, diz o relator Francisco Falcão, citando manifestação favorável da PGR: “são excipientes os indícios de participação do governador do Estado do Pará. A rigor, de ao menos 12 contratos investigados, há frágeis indícios de envolvimento do governador em apenas um deles”. De acordo com relatório da PF, cuja íntegra foi obtida pelo Ver-o-Fato, foram instaurados outros dez inquéritos para apurar as contratações levadas a efeito pelo governo do Pará e a organização social Instituto Panamericano de Gestão.
A vice-procuradora-geral da República diz no pedido de arquivamento do escândalo das OSS, que “os fatos que são objeto deste Inquérito ocorreram no mesmo contexto da aquisição de 400 ventiladores pulmonares pelo governo do Estado do Pará, da mesma empresa, compra esta que é investigada no inquérito 1362/DF”.
Em outro trecho, ela salienta: “se é verdade que a manutenção deste Inquérito ( das OSS) perante este Superior Tribunal de Justiça se justificava quando ainda em tramitação o inquérito 1362, com a promoção de arquivamento levada a efeito, não se vislumbra razão para subsistência desta investigação, já que, como dito são deveras frágeis os elementos de suposto envolvimento do governador”.
Assim, conclui ela, “nada impede que, com o avanço das investigações nos outros dez inquéritos que tramitam perante a primeira instância, caso exsurjam elementos mais robustos de atos concretos praticados pelo Chefe do Executivo, sejam eles remetidos ao STJ, viabilizando a reabertura das investigações, na forma do artigo 18 do Código de Processo Penal (CPP)”.
O artigo 18 do CPP diz o seguinte: “depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”.
PGR pede, arquiva
Sem meter a mão nessa cumbuca, o ministro Francisco Falcão decidiu: ” por ser o órgão responsável pela acusação, cabe ao Ministério Público a análise no tocante à existência de elementos suficientes para a abertura de investigações e, também, para o exercício da ação penal. Na hipótese em tela, informa o Parquet que as diligências investigativas realizadas no curso da instrução do presente caderno apuratório não trouxeram elementos de convicção suficientes que pudessem confirmar a materialidade e autoria de delito no tocante ao Governador do Estado do Pará, razão pela qual entende inexistir justa causa para o prosseguimento das apurações com relação à autoridade com prerrogativa de foro perante o Superior Tribunal de Justiça”.
Trocando em miúdos: se o próprio fiscal da lei não vê provas ou indícios, ainda que um deles seja “frágil”, de participação do governador em suposto esquema de corrupção e pede à justiça o arquivamento da investigação, não cabe a quem aplica lei levar o caso adiante. “A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o pedido de arquivamento de inquérito, sindicância, peça de informação ou qualquer expediente revelador de notícia-crime formulado pelo Procurador-Geral da República, ou mesmo pelo Vice-Procurador-Geral da República, nos casos em que oficia por delegação daquele, vincula o Superior Tribunal de Justiça, sendo inaplicável a disposição contida no artigo 28 da lei adjetiva penal”, justifica Falcão.
“Ante o exposto, acolho a promoção do Ministério Público Federal de arquivamento do presente inquérito com relação ao governador do Estado do Pará Helder
Zahluth Barbalho, ressalvado o disposto do artigo 18 do Código de Processo Penal, com a consequente restituição dos bens apreendidos e o levantamento das medidas cautelares patrimoniais decretadas”, sentenciou o ministro.
O voto dele foi seguido à unanimidade pelos ministros Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas B{as Cueva e Sebastião Reis Júnior. Ausente, justificadamente, o ministro Benedito Gonçalves. convocado o ministro Sebastião Reis Júnior.
Caso dos respiradores: também no ralo
A manifestação da vice-procuradora-geral da República: “de fato, há nos autos elementos que apontam ter o governador Helder Barbalho se envolvido pessoalmente em tratativas junto ao empresário André Felipe de Oliveira da Silva, representante da empresa SKN, relativas à aquisição de respiradores pelo Estado do Pará. Entretanto, dessas conversas não se depreende indicativo de que estava em curso um entendimento espúrio”
Diz ainda: “o conteúdo desses diálogos, embora não possa afastar de forma completa eventual envolvimento do Governador, lança dúvidas razoáveis acerca de seu intuito nas tratativas, impedindo um juízo seguro sobre o elemento subjetivo. Logo, não há prova suficiente de que o governador do Estado tenha agido com o intuito de causar dano ao erário, o que é exigido para a configuração do crime, tampouco que tenha determinado, deliberadamente, a elevação arbitrária do preço (art. 96, I, Lei 8.666/93)”.
E mais: ” quanto à divergência entre as especificações do produto contratado e daqueles que foram entregues, merece destaque o acordo celebrado entre o Estado do Pará e a empresa SKN do Brasil Importação e Exportação, noticiado à folha 46 dos autos, no bojo de ação de resolução de contrato por inadimplemento, e homologado judicialmente, pelo qual a empresa se comprometeu a ressarcir ao Estado o montante de R$ 25.200.000,00. O ajuste prevê, inclusive, a devolução de 152 ventiladores pulmonares à SKN (cláusula primeira, parágrafo primeiro).”
Segundo ela, nesse especial, “foram apontados como indícios de eventual favorecimento à empresa SKN, por parte do Governador, a edição de dois decretos: o Decreto nº 619/2020, que previu a possibilidade de pagamento antecipado nas aquisições relacionadas à pandemia COVID-19; e o Decreto 718/2020, que diferiu o pagamento de ICMS incidente nas importações de mercadorias, máquinas e equipamentos hospitalares destinados ao atendimento de pacientes acometidos por Covid-19”.
“Também aqui não há elementos seguros para se afirmar que as medidas normativas tiveram o propósito deliberado de beneficiar a empresa SKN, já que, como dito, os atos foram editados em um contexto em que se fazia necessário facilitar e agilizar os processos de aquisição de equipamentos importador, notadamente respiradores. Portanto, não obstante a existência de indícios da participação do governador Helder Barbalho nos crimes investigados, tais indícios são insuficientes para a continuidade da persecução penal, por não terem sido corroborados por outros elementos durante a investigação”.
O que diziam Falcão e Lindôra, antes dos arquivamentos
“A ação do chefe do poder Executivo se mostrou essencial para o sucesso da empreitada criminosa envolvendo as Organizações Sociais da área da saúde, notadamente mediante a edição de decretos qualificando as entidades no âmbito do Estado do Pará, de modo a viabilizar a participação em chamamentos públicos e certames licitatórios”, diz o despacho. “Há, portanto, robustos indícios da anuência e participação do chefe do poder Executivo Estadual no esquema criminoso”, concluiu Falcão
O ministro do STJ também citou a proximidade do governador do Pará com Nicolas André Tsontakis, apontado como operador financeiro do esquema. Uma das provas, segundo o documento, é que quando Nicolas e outros investigados realizavam ligações dizendo que estavam nos Palácio ou na Casa Civil, para tratar de assuntos de interesse da organização criminosa, eles realmente “encontravam efetivamente nas proximidades dos prédios públicos”. Isso foi possível de ser detectado por meio de rastreamento telefônico.
Na decisão, Falcão afirma que “os fatos descritos se revestem de ainda maior gravidade diante do claro aproveitamento da situação de calamidade de saúde pública vivenciada em todo o país e, especialmente, no Estado do Pará, decorrente da pandemia de covid-19, para a maximização dos lucros do grupo criminoso, mediante a expansão das atividades com a instalação dos hospitais de campanha”.
De acordo com a investigação, as irregularidades na contratação de organizações sociais para gestão de unidades hospitalares no Pará vêm acontecendo desde antes da pandemia e tiveram continuidade com a contratação das mesma entidades para a instalação e administração de hospitais de campanha. Segundo a PGR, as contratações, formalizadas entre agosto de 2019 e maio de 2020, ultrapassam a quantia de R$ 1,2 bilhão.
Em maio de 2021, a subprocuradora da República, Lindora Araújo, pediu ao STJ mais 30 dias para ouvir Helder Barbalho e concluir investigação sobre os respiradores chineses> antes, ela já havia se manifestado pelo “não cabimento de autorização do STJ para indiciamento” do governador pela Polícia Federal e manteve o inquérito em sigilo. A PF pediu o indiciamento em fevereiro, mas Lindôra só se manifestou três meses depois.
“O juízo sobre a eventual prática delitiva por uma autoridade dotada de foro por prerrogativa de função é de atribuição do Ministério Público, enquanto órgão acusador, e de Vossa Excelência, Ministro Relator, responsável pelo regular andamento da investigação. Em um Tribunal Superior, diferentemente do que acontece na primeira instância, a autoridade policial é delegatária da atribuição de realizar diligências investigativas (caráter instrumental), não podendo, desse modo, adentrar o mérito sobre a ocorrência e a autoria de um delito.”, explicou Lindôra.
A subprocuradora destacou, porém, que há “indícios consistentes de materialidades e autorias delitivas” e abordou da “necessidade de conclusão dos eventuais exames periciais e outras análises faltantes e juntada aos autos dos respectivos laudos e relatórios”.
“Há uma linha investigativa em evolução, que vem sendo acompanhada pelo Ministério Público e supervisionada por essa Corte Superior, cujo prosseguimento mostra-se não apenas viável, como indispensável.”, foi taxativa a subprocuradora.
“Relações próximas”
Já no parecer que fundamentou a operação Para Bellum, segundo o blog O Antagonista, a subprocuradora-geral, Lindôra Araújo, informa que conversas extraídas do celular de André Felipe de Oliveira da Silva, representante da empresa SKN Importadora, revelam “relações próximas” com o governador Helder Barbalho desde 2018, pelo menos.
“Nos diálogos entre o governador e André Felipe de Oliveira fica claro que o objetivo é a concretização de negócios, fruto de relações pessoais. Além da contratação em discussão, a empresa de André Felipe de Oliveira foi favorecida com uma outra contratação milionária, cujo pagamento também foi feito de forma antecipada, no valor de R$ 4,2 milhões”.
“As negociações entre o governador Helder Barbalho e André Felipe eram tão evidentes que, após as tratativas de aquisição dos aparelhos em discussão, André Felipe envia as seguintes mensagens para o governador:
‘Bom dia. Vc ficou de me enviar o contato para eu enviar o contrato e não recebi’ – mensagem de André Felipe, do dia 25 de março , data que o questionado decreto foi publicado. Pouco tempo depois, o governador pergunta: ‘Cadê a proposta?’ Em resposta: ‘enviando no início da tarde’.
Para Lindôra, “é induvidoso que ocorreu uma franca negociata entre o chefe do poder Executivo envolvendo empresário parceiro”. Conclusão que, segundo ela, fica ainda mais evidente em outra conversa extraída do celular de André Felipe, desta vez em 23 de abril.
“Nesta conversa, o governador Helder perde a paciência com André Felipe, demonstrando seu descontentamento pela não entrega dos ventiladores pulmonares no prazo estipulado, momento em que afirma: ‘vc está ganhando uma fortuna’, segundo que, em seguida, continuam a tratar da situação em ligação de WhatsApp.
André Felipe teve a prisão preventiva decretada em 11 de maio de 2020. Ex-secretário de Esportes do governo Arruda em Brasília (DF), o empresário é ligado a Rodrigo Maia. Em depoimento, como revelou O Antagonista, ele confirmou conhecer Helder Barbalho há cerca de dez anos, informando que o governador lhe indicou o secretário da Casa Civil, Parsifal Pontes, para as tratativas do contrato.
A Polícia Federal solicitou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorização para indiciar o governador do Pará Helder Barbalho (MDB), do ex-secretário de Saúde, Alberto Beltrame, além de outras seis pessoas, pela compra irregular de respiradores para combate à Covid-19.
Na Operação SOS, deflagrada no final de setembro de 2020, o ministro Francisco Falcão determinou busca e apreensão na Polícia Civil do Pará. A medida foi tomada em virtude da suspeita de que a organização criminosa, supostamente comandada por Helder Barbalho, tenha usado um moderno equipamento de interceptação telefônica para monitorar os próprios investigadores do esquema.
A suspeita surgiu por denúncia de um delegado da própria corporação, que relatou ao Ministério Público estadual a aquisição pela Civil de um dispositivo “capaz de extrair dados de aparelhos telefônicos, interceptar diálogos criptografados e fazer gravações ambientais”, tudo sem deixar rastro.
O equipamento teria custado R$ 5 milhões
Alvo da SOS, o agora ex-chefe da Polícia Civil do Pará Alberto Henrique Teixeira de Barros é cunhado de Parsifal de Jesus Pontes, homem forte de Helder e que chefiava a Casa Civil até ser alcançado pelas investigações. Denise Lima Teixeira de Barros, irmã de Alberto e mulher de Parsifal, estava lotada na Casa Civil e fez parte da comissão que selecionou as organizações sociais Pacaembu e Birigui, investigadas.
Em sua decisão, Falcão informa ainda que, durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão no âmbito da Operação Para Bellum, a PF encontrou um relatório de inteligência da Polícia Civil referente a Henrique Lutz, um dos integrantes da Orcrim, supostamente comandada por Helder e operada por Nicolas André Tsontakis Morais e Gleudson Garcia Montali.
“Essa informação, em conjunto com os dados e relatos do Ministério Público do Estado do Pará, demonstram que a Polícia Civil pode estar atuando, entre outras formas, com a utilização do aparelho em questão, para dificultar as atividades investigativas”, justificou a PGR, solicitando a apreensão para perícia.
Para ler as duas decisões na íntegra, acesse clicando aqui.